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Análise de Anomalia de Precipitação nos Meses de Junho, Julho e Agosto de 2023

Por Raquel Lima

O inverno de 2023, no Brasil, foi marcado por eventos significativos de precipitação na região sul, que deixaram mortos e desabrigados especialmente no norte do estado do Rio Grande do Sul.

 

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2023/06/ciclone-chega-a-15a-morte-e-e-maior-desastre-climatico-da-historia-do-rs.shtml

https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2023/07/13/ciclone-no-rs-temporais-causam-estragos-em-34-municipios-e-quase-500-mil-ficam-sem-luz-no-rs-video.ghtml

 

https://www.dw.com/pt-br/chuvas-no-sul-do-brasil-47-mortos-e-prejuízo-de-r-13-bi/a-66732577

 

Devido à gravidade dos eventos do sul do país, menor atenção foi dada pela imprensa à seca, também extrema, na região norte. Apenas recentemente (fim de setembro de 2023) a mídia passou a informar sobre rios quase completamente secos e suas consequências.

 

https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-09/estiagem-leva-situacao-de-emergencia-15-cidades-do-amazonas

 

https://gauchazh.clicrbs.com.br/ambiente/noticia/2023/09/em-meio-a-seca-na-amazonia-110-botos-sao-encontrados-mortos-no-lago-tefe-aponta-instituto-cln5ym95q000901542y9r05os.html

 

Isto posto, fica clara a necessidade de um olhar sobre os dados de precipitação desta estação.


Em meteorologia, para fim de análise, utilizamos os meses de junho, julho e agosto para designar e caracterizar o período de inverno. Assim, para análise da distribuição e intensidade da precipitação durante o inverno de 2023, serão utilizados mapas referentes a esses meses.

Mas… Se este inverno teria sido incomum, como seria um inverno “normal”?

O que consideramos "normalidade" é a condição mais próxima possível do que chamamos de normal climatológica.

Normais climatológicas, conforme definição da OMM (Organização meteorológica Mundial, órgão vinculado à ONU – Organização das Nações Unidas) são “valores médios calculados para um período relativamente longo e uniforme, compreendendo no mínimo três décadas consecutivas”. Desta forma, um inverno com precipitação “normal” seria um inverno cujos registros de precipitação acumulada fosse semelhante ou próximo à média da precipitação dos meses de junho a agosto de um período recente de 30 anos.

Abaixo, exibimos os mapas referentes às normais climatológicas do período de 1991 a 2020, de precipitação acumulada, para os meses de (da esquerda para a direita) junho, julho e agosto e breve análise.

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MAPA_PCP_ACUM_91.20_JUL.png
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Normais climatológicas do Brasil, período de 1991-2020: precipitação acumulada para os meses de junho, julho e agosto.

No mapa de média de precipitação em 30 anos (1990 a 2020) para o mês de junho observamos que em grande parte da região norte a precipitação acumulada média é superior a 100 mm, atentando para a região central do Pará, extremo sul do Amazonas e o estado do Acre, com acumulados menores que 60 mm, e a quase totalidade do estado do Tocantins, com precipitação acumulada média entre 10 mm e 20 mm. Em contrapartida, no extremo norte do Amazonas e no estado de Roraima, os acumulados médios chegam a mais de 380 mm.

 

Na região nordeste, os máximos de precipitação acumulada média se concentram nas áreas litorâneas, em torno de 220 mm; porém, a maior parte desta região tem menos de 600 mm de precipitação acumulada média, chegando a menos de 10 mm no oeste da Bahia.

As regiões centro oeste e sudeste têm pluviosidade média menor que 100 mm no mês de junho, sendo a área que compreende o centro e o noroeste de Minas Gerais, o centro norte de Goiás e o extremo leste do Mato Grosso, a área com menor média, abaixo de 20 mm.

 

Toda a região sul tem valores normais climatológicos de precipitação acumulada superior a 10 mm, com máximo entre 180 mm e 220 mm no norte do Rio Grande do Sul e sudoeste de Santa Catarina.

 

Na análise do mapa de precipitação acumulada média para o mês de julho, vemos que a porção centro norte da região norte tem precipitação acumulada média entre 100 mm e 340 mm, enquanto a região centro sul tem o mesmo parâmetro com valores inferiores a 100 mm, chegando a menos de 10 mm no extremo sudeste do Tocantins.

 

Na região nordeste, o litoral leste tem normal climatológica de precipitação entre 100 mm e 260 mm, mas grande parte da área tem este parâmetro menor que 30 mm, chegando a áreas de precipitação acumulada média menor que 10 mm.

 

As regiões sudeste e centro oeste têm normais climatológicas menores que 100 mm em toda sua extensão; porém, a maior parte desta área tem normais de precipitação média menor que 20 mm, com áreas de acumulado médio menor que 10 mm no extremo noroeste de Minas Gerais e centro de Goiás.

Na região sul, a porção centro norte do estado do Paraná tem precipitação acumulada média menor que 100 mm, bem como o extremo sudoeste do Rio Grande do Sul. No restante desta região, as normais de precipitação ficam entre 100 mm e 220 mm, com maior pluviosidade média no centro norte do Rio Grande do Sul.

Observando o mapa das normais climatológicas de precipitação para o mês de agosto, percebemos o noroeste do estado do Amazonas, o estado de Roraima e o extremo noroeste do Pará com precipitação acumulada média superior a 100 mm, com atenção ao centro leste de Roraima, com acumulado médio entre 220 mm e 260 mm. Notamos também a região de Belém (capital do Pará) com precipitação acumulada média entre 100 mm e 140 mm.

Nota-se, ainda, que as porções central e sudeste do Pará e sudeste de Rondônia têm acumulados médios menores que 60 mm e a totalidade do estado do Tocantins tem normais menores que 20 mm.

Na região nordeste a faixa litorânea, do centro do Rio Grande do Norte ao sul de Alagoas, tem normais de precipitação acumulada entre 100 mm e 180 mm, e as regiões de Aracaju e Salvador (capitais de Sergipe e Bahia, respectivamente) têm normais entre 100 mm e 140 mm. Chama a atenção que todo o estado do Piauí, a quase totalidade do estado do Maranhão, o centro oeste da Bahia e oeste de Pernambuco têm normais abaixo de 20 mm.

 

Nas regiões sudeste e centro oeste, observamos a predominância de áreas com normais de precipitação acumulada menor que 40 mm, enquanto quase toda a região sul tem normais entre 100 mm e 180 mm, sendo exceções o centro norte do Paraná e o extremo sudoeste do Rio Grande do Sul, com acumulados médios de entre 100 mm e 60 mm.

A precipitação na região sul se deve, em grande parte, à passagem de frentes frias, que ocorre com regularidade nesta região durante o inverno no Brasil.

 

As chuvas na faixa leste da região nordeste são ocasionadas pela brisa marítima, que leva umidade do oceano para a região costeira e, no litoral de Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, além de brisa, há a circulação de um sistema de alta pressão chamado Alta Subtropical do Atlântico Sul (ASAS). O flanco norte deste sistema gera ventos que transportam umidade de leste para oeste; durante o inverno do hemisfério sul, estes ventos se somam a brisa marítima, favorecendo e intensificando a ocorrência de chuvas. É possível observar que a redução na quantidade de chuva no extremo leste do nordeste se reduz entre os meses de julho e agosto.

 

Na região norte, as chuvas estão associadas à Zona de Convergência Intertropical (ZCIT). A ZCIT é a região onde os ventos alísios do hemisfério sul (vento de sudeste) “se encontra” com os alísios do hemisfério norte (vento de nordeste). Esta convergência força o ar a se elevar na atmosfera, formando nuvens que provocam chuvas. Notamos que a quantidade de chuva diminui entre junho e agosto.

 

Durante os meses de junho, julho e agosto, é comum ocorrer o que chamamos de “bloqueio atmosférico”, que consiste em um padrão de circulação na média atmosfera (aproximadamente 5.600 m acima do solo) que, além de dificultar a formação de nuvens, também interfere no deslocamento de sistemas frontais. Por isso, temos condição de estiagem nas regiões centro oeste e sudeste. Observamos que, ao longo dos meses de inverno, a área de estiagem se expande.

Agora que já sabemos como, na média do período entre 1991 e 2020, a precipitação se distribuiu sobre o Brasil nos meses de inverno, para saber quão “fora do normal” foi a distribuição das chuvas no inverno de 2023, devemos comparar os dados deste ano com os dados climatológicos.

 

A forma mais direta de fazê-lo, é usando mapas de “anomalias de precipitação”, onde é ilustrada a diferença entre os registros de um mês, e as médias climatológicas. (Dados observados menos dados climatológicos; simples assim!)

Adiante no texto, temos mapas de anomalia de precipitação para os meses de junho, julho e agosto de 2023. É importante ter em mente que anomalias positivas (tons de azul) indicam que a precipitação em 2023 foi mais intensa que a média de 30 anos e anomalias negativas (tons de laranja) apontam para precipitações menos intensas que a média, indicando estiagem.

ANOM_PCP_2023_JUN.png
ANOM_PCP_2023_JUL.png
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Mapas de anomalias de precipitação para os meses de junho, julho e agosto de 2023.

No mapa de anomalia de precipitação do mês de junho de 2023, observamos que a região central do Brasil (estados do Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, sul do Tocantins e Piauí e oeste da Bahia) teve pouca variação de precipitação em comparação com a normal climatológica, com registros entre 25 mm a menos que a média de 30 anos e 25 mm a mais que a mesma referência, indicando chuvas com acumulado próximos à normalidade.

 

O norte da região norte da região norte teve anomalias negativas de precipitação de pelo menos 100 mm; a exceção é a região de Boa Vista (capital de Roraima), com anomalias positivas de até 50 mm de precipitação, a norte de uma área com deficit de chuvas entre 200 mm e 300 mm.

 

Foram observadas áreas de anomalias negativas também no oeste do Acre e do Amazonas, leste do Pará, nos estados do Espírito Santo e Rio de Janeiro, leste de Minas Gerais, litoral norte e parte do sul do estado de São Paulo e leste do Paraná (até 50 mm), litoral do Ceará e litoral norte do Rio Grande do Norte, interior da Paraíba e de Pernambuco, e centro leste da Bahia (até 100 mm), oeste da região sul e sul do Mato Grosso do Sul (até 200 mm de deficit de precipitação).

 

As anomalias positivas ocorreram em áreas menores, com predomínio de anomalias de 500 mm na região norte e interior de São Paulo e Mato grosso do Sul. As maiores anomalias positivas ocorreram no litoral do Maranhão e do Ceará, no centro e nordeste do Rio Grande do Sul (até 200 mm acima da média), e no leste do nordeste, do sul do Rio Grande do Norte até o centro de Sergipe (até 300 mm superior à normal climatológica).

No mapa das anomalias de precipitação para o mês de julho de 2023 é possível observar que a maior parte do país teve condição de normalidade ou estiagem (anomalia positiva de até 10 mm ou anomalia negativa). As anomalias significativas , sejam positivas ou negativas, foram registradas nas periferias do território brasileiro.

 

Do sul de Minas Gerais até o sul do Rio Grande do Sul, nota-se a alternância de áreas de anomalias positivas de até 200 mm (no sul de Minas Gerais, norte de São Paulo, centro sul do Paraná, leste de Santa Catarina e centro nordeste do Rio Grande do sul) e áreas de anomalias negativas de até 200 mm (no Mato Grosso do Sul, centro do estado de São Paulo, centro de Santa Catarina e oeste e sul do Rio Grande do Sul).

 

No leste do Nordeste há áreas de anomalia positiva de precipitação de até 75 mm no interior da Bahia, oeste de Pernambuco, centro da Paraíba e divisa do Sergipe e Alagoas, enquanto as anomalias negativas, de até 300 mm, estão situadas no litoral da Bahia, sul e oeste do Sergipe, norte e oeste de Alagoas, centro leste de Pernambuco e Paraíba, leste do Rio Grande do Norte, centro norte do Ceará, e extremo norte do Piauí e Maranhão.

 

Na região norte há predominância de áreas de anomalia negativa de precipitação, em especial no estado do Pará, centro sul do Amapá, e norte, noroeste e oeste do Amazonas, com valores de até 200 mm menos chuva que o valor de referência. As áreas com anomalias positivas chegam a até 300 mm no oeste do amazonas, 200 mm no estado de Roraima e noroeste do Pará e 75 mm próximo a Belém e a Santarém (ambas cidades no estado do Pará).

Observamos no mapa de anomalia de precipitação para o mês de agosto de 2023 que a região central do país tem várias áreas com anomalias positivas de precipitação, chegando a até 75 mm de precipitação acima da média. Em todo o Brasil, as anomalias positivas mais significativas chegam a até 200 mm no norte do estado de São Paulo, sul de Minas Gerais, e norte do estado do Rio de Janeiro, e até 100 mm no litoral sul de São Paulo, centro leste de Minas Gerais e Espírito Santo e oeste do Amazonas.

 

As anomalias negativas mais significativas foram registradas em São Gabriel da Cachoeira (noroeste do Amazonas), entre 200 mm e 300 mm a menos que a média, e até 200 mm menos que a média no centro norte da região norte e na região central e norte do Rio Grande do Sul.

A seguir, vamos olhar mês a mês, as normais climatológicas e as anomalias de precipitação do inverno de 2023.

MAPA_PCP_ACUM_91.20_JUN.png
ANOM_PCP_2023_JUN.png

Normais climatológicas de precipitação acumulada do Brasil, período de 1991-2020 (esquerda) e anomalia de precipitação (direita) para o mês de junho de 2023.

Nos mapas de normais climatológicas e de anomalias de precipitação para o mês de junho, observamos que tivemos condição próxima a normalidade nas regiões em que, em média, ocorre estiagem.

 

No leste do nordeste, onde conforme o mapa de normais climatológicas, chove bastante, houve registro de anomalia positiva de precipitação, bem como no litoral maranhense e norte e nordeste do Rio Grande do Sul. Já nos estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro e leste de Minas Gerais, onde costuma, em média, chover pouco, registrou-se anomalia negativa de precipitação. Ou seja: nessas regiões, as condições foram exacerbadas.

 

No litoral da Bahia, interior de São Paulo e Mato Grosso do Sul, oeste da região sul e norte da região norte, as condições foram “invertidas”; onde, em média, chove bastante, houve deficit de chuva, enquanto onde não se espera chuva volumosa e/ou frequente, choveu mais que a média.

MAPA_PCP_ACUM_91.20_JUL.png
ANOM_PCP_2023_JUL.png

Normais climatológicas de precipitação acumulada do Brasil, período de 1991-2020 (esquerda) e anomalia de precipitação (direita) para o mês de julho de 2023.

Analisando conjuntamente os mapas de normais climatológicas de precipitação acumulada média e de anomalias de precipitação para o mês de julho de 2023, observamos que, assim como no mês de junho do mesmo ano, a área que podemos considerar “dentro da normalidade”, é a área central do Brasil, onde, em média, temos pouca precipitação neste mês.

 

Observamos que o norte da região norte (exceção do estado de Roraima), leste do nordeste, sul e leste de Minas Gerais, norte do estado de São Paulo e o estado do Espírito Santo houve “inversão do padrão”: onde, em média, chove bastante, houve anomalia negativa de precipitação, enquanto onde costuma chover pouco, a anomalia foi positiva.

 

No litoral do Maranhão, Piauí e Ceará, e nos estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul e Rondônia, onde, em média, é registrada pouca chuva, foi registrada anomalia negativa, confirmando condição de estiagem intensa; já nos estado de Roraima, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, onde as normais climatológicas indicam bastante precipitação para este mês, as anomalias foram positivas.

ANOM_PCP_2023_AGO.png
MAPA_PCP_ACUM_91.20_AGO.png
ANOM_PCP_2023_AGO.png

Normais climatológicas de precipitação acumulada do Brasil, período de 1991-2020 (esquerda) e anomalia de precipitação (direita) para o mês de agosto de 2023.

Nos mapas referentes ao mês de agosto observamos que, na região central do Brasil, que tem médias pluviométricas baixas e estavam em “normalidade” nos meses de junho e julho, tivemos anomalias positivas de precipitação. Em contrapartida, no noroeste da região norte (incluindo Roraima, que foio exceção em julho de 2023) e os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, que são regiões com médias de precipitação acumulada significativas, tivemos anomalias negativas notáveis.

 

Salienta-se que há, de junho a agosto, um aumento gradual nas anomalias de precipitação sobre os estados do Tocantins, Espírito Santo, Rio de Janeiro e leste de Minas Gerais, passando de anomalias negativas significativas em junho para anomalias positivas em agosto.

Mas, afinal: o inverno de 2023 teve distribuição incomum de precipitação?

 

Considerando os registros de precipitação para os meses de junho, julho e agosto de 2023 e as normais climatológicas de precipitação acumulada 1991-2020 para estes meses, que são as nossas referências, sim; o inverno de 2023 teve precipitação atípica, com especial atenção ao mês de agosto.

Agradeço ao INMET pela confecção e disponibilização dos mapas utilizados nesta análise.

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