É SÓ UMA QUESTÃO DE TEMPO,
COM RAQUEL LIMA
Análise de Anomalia de Temperatura Média nos Meses de Junho, Julho e Agosto de 2023
Por Raquel Lima
O inverno brasileiro de 2023 pareceu, para muitos, um inverno bastante peculiar. Porém, em todo o mundo, houve registro dos meses de junho, julho e agosto (inverno no hemisfério sul e verão no hemisfério norte) com temperaturas elevadas.
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Considerando os registros de mortes e numerosos atendimentos hospitalares devido ao calor no Brasil, fica clara a necessidade de um olhar sobre os dados deste inverno. Como em meteorologia, para fim de análise, utilizamos os meses de junho, julho e agosto para designar e caracterizar este período, serão utilizados mapas desses meses para esta análise.
Se este inverno foi incomum, como seria um inverno “normal”?
O que identificamos como "normalidade" é a condição mais próxima possível do que chamamos de normal climatológica.
Normais climatológicas, conforme definição da OMM (Organização meteorológica Mundial, órgão vinculado à ONU – Organização das Nações Unidas) são “valores médios calculados para um período relativamente longo e uniforme, compreendendo no mínimo três décadas consecutivas”. Desta forma, um inverno com temperatura média “normal” seria um inverno cujos registros de temperatura média fossem semelhantes ou próximos às médias da temperatura dos meses de junho a agosto de um período recente de 30 anos.
Para entender o comportamento “normal” da temperatura média do ar, utilizaremos os mapas referentes às normais climatológicas do período de 1991 a 2020, de temperatura média compensada, para os meses de junho, julho e agosto.
Temperatura Média “Compensada”?
Durante muito tempo, muitas estações meteorológicas não realizavam medições de temperatura ao longo de todo o dia (e ainda hoje, algumas não o fazem), o que dificultava o cálculo da temperatura média com informações do período de temperatura em elevação (ao longo da manhã e da tarde) e em declínio (durante a madrugada). E, para que fosse possível comparar os dados de localidades e até regiões diferentes, era necessário que se utilizassem dados semelhantes; ou seja, dados de temperatura que todas as estações medissem.
Os dados de temperatura que todas as estações tinham em comum eram a temperatura do ar às 09:00 e às 21:00 (ambas no horário de Brasília), e as temperaturas máxima e mínima (independente do horário em que ocorressem). Assim, para “compensar” a ausência dos dados, criou-se a temperatura mádia compensada (TMC), que é um parâmetro de temperatura, calculado usando a seguinte fórmula:
TMC = ( T(09) + 2 x T(21) + Tmin + Tmax ) / 5
onde:
TMC é a Temperatura média compensada;
T(09) é a temperatura às 09:00;
T(21) é a temperatura às 21:00;
Tmin é a temperatura mínima do dia e
Tmax é a temperatura máxima do dia.
A seguir, analisamos os mapas das normais climatológicas de temperatura média compensada do ar que, a partir daqui, chamaremos apenas de “temperatura média”.
Normais climatológicas do Brasil, período de 1991-2020: temperatura média para os meses de junho, julho e agosto.
No mapa referente às normais climatológicas de temperatura média (1991 a 2020) para o mês de junho, podemos observar que a maior parte do país tem temperaturas entre 22 ºC e 28 ºC; a maior parte das regiões norte e nordeste tem temperaturas médias entre 24 ºC e 30 ºC, e a região sul com temperaturas de 12 ºC a 20 ºC.
Notamos grande parte do estado do Amapá, parte da porção nordeste do Pará e parte do leste do Amazonas com as temperaturas médias mais altas, alcançando até 30 ºC. enquanto o sul do Brasil registra as temperaturas médias mais baixas, chegando a até 12 ºC na região da fronteira com o Uruguai, no Rio Grande do Sul, e nas serras gaúcha e catarinense.
Vale salientar a distribuição de temperaturas sobre alguns estados:
* Mato Grosso do Sul, com temperaturas médias de até 16 ºC no sul a até 26 ºC no noroeste;
* Rio de Janeiro, com temperaturas médias de até 16 ºC no extremo oeste e até 24 ºC no extremo leste;
* Minas Gerais, com temperaturas médias de até 16 ºC no extremo sul e até 24 ºC no extremo norte;
* Bahia, com temperaturas médias de até 20 ºC no interior e até 28 ºC no noroeste (divisa com o Piauí).
Na figura da distribuição das temperaturas médias para o mês de julho, observamos características de distribuição bastante semelhantes ao mês anterior; grande parte dos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com temperaturas médias entre 12 ºC e 14 ºC, sendo as mais baixas do país, enquanto a maior parte da região norte tem temperaturas médias entre 26 ºC e 28 ºC.
Após a análise destes mapas, para saber quão “fora do normal” foi a temperatura média no inverno de 2023, devemos comparar os dados deste ano com os dados climatológicos. A forma mais direta de fazê-lo é usando mapas de “anomalias de temperatura”, onde é ilustrada a diferença entre os registros de 2023, e as normais climatológicas (dados observados menos dados climatológicos).
Abaixo, temos mapas de anomalia de temperatura para os meses de junho, julho e agosto de 2023. É importante ter em mente que anomalias negativas (tons de azul) indicam que a temperatura em 2023 foi mais baixa que a média de 30 anos (mais frio que a média) e anomalias positivas (tons de laranja) apontam para temperaturas mais altas que a média (mais quente que a média).
Ressalta-se, também, que o período da normal climatológica utilizada para o cálculo das anomalias foi de 1981 a 2010.
Mapas de anomalias de temperaturas médias para os meses de junho, julho e agosto de 2023.
Na figura da distribuição das anomalias de temperatura média para o mês de junho observamos áreas de anomalias positivas (temperaturas mais altas que a média de 30 anos) sobre toda a região sul, com áreas com temperaturas até 3 ºC acima da média, além de uma grande porção do centro norte do Brasil, abrangendo grande parte dos estados do Amapá, Pará, Maranhão, Ceará, Tocantins, Goiânia e Mato Grosso, com temperaturas médias mais que 1 ºC acima da média, com destaque para o centro sul do Pará e centro nordeste do Mato Grosso, com temperaturas mais que 2 ºC acima da média.
A maior parte das áreas de anomalias negativas de temperaturas, observadas sobre a divisa entre Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, divisa do norte de São Paulo e triângulo mineiro (MG), sul do Espirito Santo, norte de Minas Gerais, centro e norte da Bahia, embora reduzidas e fragmentadas, são significativas por terem registrado temperaturas até 3 ºC abaixo da média. A maior área de anomalias negativas foi registrada no oeste do Amazonas, e foram até 1,5 ºC abaixo da média.
No mapa de anomalias de temperatura média para o mês de julho de 2023, observamos a quase totalidade do Brasil com anomalias positivas, sendo a maior parte com temperaturas mais que 1 ºC acima da média.
Salientamos o sul do Amazonas e Pará, extremo oeste do Acre, noroeste de Rondônia, extremo norte e sul do Mato Grosso e a quase totalidade do Paraná com anomalias superiores a 3 ºC. Anomalias em patamares semelhantes, porém, menores em extensão, foram registradas no oeste do Pará, nordeste do Ceará, centro de Pernambuco, noroeste da Bahia, sul, leste e nordeste de Minas Gerais e Vale do Paraíba (SP).
Foram observadas apenas duas áreas, bem reduzidas, com temperaturas abaixo da média: uma na divisa do Ceará com o Piauí (até 1 ºC abaixo da média) e outra no sul do ES (até 2 ºC abaixo da média).
Com relação à distribuição das anomalias de temperatura média no mês de agosto para 2023, observamos aumento nas áreas de anomalias positivas mais intensas, especialmente temperaturas maiores que a média em mais que 3 ºC.
Ressalta-se que não foram observadas regiões com anomalias menores que - 0,5 ºC (anomalias negativas significativas).
Mas afinal: o inverno de 2023 foi mais quente?
Considerando os registros de temperatura média para os meses de junho, julho e agosto de 2023 e as normais climatológicas de temperatura média compensada 1991-2020 para estes meses, que são as nossas referências, sim; o inverno de 2023 foi mais quente que o normal; este inverno teve temperaturas mais elevadas que a média em praticamente todo o país, com destaque para o mês de agosto, com grande área com temperaturas com pelo menos 3 ºC acima da média.
Ressaltamos, ainda, a única região do Brasil com anomalias negativas de temperatura durante a estação (ou seja, inverno mais frio que a média), o centro sul do estado do Espírito Santo, com temperaturas até 1,5 ºC abaixo da média.
Agradeço ao INMET pela disponibilização dos mapas e gráficos utilizados nesta análise.